Visualizações de página do mês passado

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

O dia estava quente. Eu não sabia distinguir quem estava ao meu redor, só sei que eram amigos. Pessoas com quem eu convivia há muito. Percebi a aproximação sutil e a confusão armada em torno do fogão. Fogo! Fogo! Ou era pura ilusão? Labaredas subiam ardentes, eu tentava salvar meus pertences, mas era fogo! E contra o fogo não há argumentos. Só há água ou fuga. Fugir significa deixar para trás objetos queridos, pessoas queridas, lugares especiais. Fugir significa abrir mão de algo. Abandonar projetos inacabados, partir com a certeza de que o que ficou para trás se converterá em cinzas. Fugir dói demais. Mas fugimos com freqüência. Fugimos de nossos problemas, como se eles não nos esperassem quando retornamos. Fugimos de nosso silêncio, como se refletir fosse assinar um atestado de solidão. A fuga é inerente ao ser humano, pois viver é nada mais do que um constante fugir da morte. Ou a gente foge ou a gente fica e apaga o fogo. Tem gente que prefere ficar e arder nele. E depois recolhe as cinzas que as chamas vão deixando. Escolhi a água e o fogo ia cedendo às minhas investidas arriscadas. De repente ele cessou, recolheu-se com a mesma força que principiou, deixou-se adormecer enquanto eu observava a herança de sua força imensurável. Às vezes o fogo consome de tal forma nossa vida, que o renascimento é desnecessário, pra não dizer ineficaz. Aos poucos as pessoas retornaram, contabilizando assustadas a fúria do fogo que se alastrou em nossas vidas. Eu fitei o vazio do jardim, pois aquelas pessoas me eram estranhas e dançávamos num corredor, ritmados por uma música imaginária. O perigo se aproximava no céu, eram flechas em números incontáveis, avançavam ligeiras, sedentas de atingir a Terra e arrancar o sopro da vida em qualquer um que o possuísse. Que seria de nós, pobres mortais? A música continuava, ou eu a imaginava? O passo estava engraçado, apesar de desajeitado, ele sorria pra mim, éramos amigos naquele momento, eu não via o perigo, mas o pressentia no ar. Estavam quase atingindo a Terra, mas centenas e milhares de anjos voavam ao encontro delas, morriam, acinzentavam-se e se dissipavam no ar, mas impediam o perigo de chegar ate a nós, inocentes mortais que dançam a valsa da vida, mesmo quando o passo é errante e indeciso. No céu a batalha estava travada, os anjos iam desaparecendo, uma a um, mas protegiam a vida entregando a deles. Ah! Batalhas insanas estas que travavam nos céu. Entregavam suas vidas por amor de desconhecidos seres e sabiam que não valeria apena, pois a vida não passa de uma eterna batalha onde não há vencedores, apenas o destino do confronto. Somos assim, anjos que lutam contra um mal que nem se quer existe. Mas lutar é condição para ganhar os céus, para fazer da vida uma inglória busca de algo que nem se sabe o que é. Alguns lutam contra si próprios, como se o inimigo fosse a própria consciência que lhe acusa os erros. E passam a vida inteira entorpecendo suas mentes de alucinógenos que permitem a fuga da realidade. Outros ocupam seus dias com afazeres mil, mascaram seus corpos com objetos e corretivos que lhe impõem uma marca que permite a representação de papéis diversos, e a verdadeira essência vão se atrofiando, sem espaço para existir nestes corpos transformados. Há aqueles que apenas se deixam ficar, pois fugir ou lutar representa a mesma perda de tempo. Então se entregam aos momentos prazerosos e desfrutam da leveza da vida, como se esta não fosse ter o mesmo destino de todas as outras, que ninguém sabe qual é. A música parou, meu jardim estava repleto de estranhos, eu estava sendo convocada para lutar. E cadê minhas vestes? Que roupa de heroína é esta que nunca vi no meu guarda-roupa? Esta roupa revela quem sou, meu corpo verdadeiro que comumente escondo com os disfarces da vaidade! Mas expuseram diante de todos e sou outra pessoa, não sei se má, não sei se boa. Eles são muitos e eu tenho que segui-los. É preciso vencer o perigo das flechas lá no céu, é preciso desviar seus caminhos, ah é preciso não deixá-los sozinhos, sozinhos eles não podem lutar. Eu não me conheço, não me sabia uma heroína, o que eu faço? Que poder tenho eu? Não sei qual minha força, não entendo onde está o inimigo, o céu já não apresenta perigo, morreram os anjos, me denunciaram aos meus amigos, neste momento eu acordei. Ah, estes sonhos loucos que eu tenho! Bobagem, fui tomar um banho frio.

Nenhum comentário:

Postar um comentário