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segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Seus passos lentos denunciavam que o tempo marcara seu corpo, tão tirano este tempo que a ninguém perdoa. Sempre com os mesmos trajes, o mesmo olhar pensativo, a paz de espírito, o mesmo cumprimentar – um leve aceno com as mãos embrutecidas pelo trabalho pesado. Todos os dias ele se dirigia à sua pequena plantação, enxada na mão, corpo curvado pelo tempo e pelo cansaço, roupas surradas, às vezes remendadas com tecidos coloridos, quem as teria remendado? Todos os dias ele passava, seu olhar que não apresentava brilho, mas também não estava de todo ofuscado. Era um olhar vazio, que parecia espelho de um passado remoto, mas ainda agonizante em qualquer canto da memória. Um olhar inexpressivo, mas que ameaçava irromper num brilho qualquer, num pequeno prazer. Será que ele tinha sonhos? Quando se deitava na cama, o que pensava? Talvez dormisse de imediato e seu pensamento ficasse vazio, como uma sala sem paredes, sem presença física, sem vida. E fitava-o entre penalizada e curiosa. Como eu queria adentrar sua mente, saber o que se passava nela. Entender o que sentia um corpo marcado pelo tempo e pelos insucessos que a vida lhe proporcionou. Como eu queria saber o que ele sentia quando lembrava-se dos filhos distantes, da juventude perdida, da esposa falecida, do fim que se aproximava lentamente de seu cansado e velho corpo. E quando, no fim da tarde, retornava cansado do trabalho, eu podia ver o suor que escorria de seu rosto enrugado. Suas mãos trêmulas que se dividia entre enxugar o suor e apoiar uma velha sacola. E ia descendo vagarosamente a ladeira, sua figura cada vez mais distante, transformando-se num pontinho pequeno, até desaparecer por completo na esquina. Tantas vezes ficava na porta, sentada no assoalho só para vê-lo passar, e me contentava com seu aceno, um sorriso desdentado, mas tão sincero. E vigiava o relógio, preocupada em não perder sua partida. Quando o sol se punha, lá vinha ele, lento, pesaroso com fadiga do dia, ai descendo lentamente a ladeira. Sua figura amiudando-se no caminho, cada vez mais longe, cada vez mais lento, amiudando-se, findando-se a sua imagem, até o dia em que findou-se completamente.
Mari Gonçalves

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